"Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarisse. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa.Continuava a escrever, mas enfadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, é a minha fala."
Adélia Prado
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.
Lá no sítio da cabana da lavoura de banana só sobrava a plantação. Mas foi feita a barricada e a base preparada para prender o ladrão.
O dono da bananeira preparou a cartucheira e ficou lá de plantão. Não viu o que aconteceu o bicho todo comeu não ficou nem o botão.
Um barulho na cascata mexeu os galhos na mata ele preparou a munição. Pisaram na sua garganta roubaram a sua janta e fugiram na escuridão.
Aí,o homem ficou surpreso quando o farol foi aceso que estava no caminhão. Ficaram todos envoroçado era bicho pra todo lado tinha macaco de montão.
Encurralaram a macacada e foram descendo a bordoada sem ter dó,nem compaixão. Quando o pau aterrissava era so macaco que pulava em tudo quanto era direção.
E durante quase uma semana não sumiu nenhuma banana não esqueceram o clarão. Mas soube que no outro dia sumiu ,uma carga de melancia la no sítio do Simão.
Ferreira Gullar, um do poeta inovador e engajado que ainda vive como um homem mortal. Sua obra é complexamente simples e real como o cotidiano de cada um de nós.
Traduzir-se
Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte - que é uma questão de vida ou morte - será arte?
Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo : "Fui eu ?" Deus sabe, porque o escreveu.
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.
É sempre bom olhar as estrelas para se ter a real clareza da dimensão humana.
Existe uma distância infinita entre o céu e a boca, entre o paraíso que desejamos e a realidade que a vida nos oferece. Desejos e frustações. Conquistas e desencantos. A vida é assim mesmo. Então vamos tirar o melhor proveito disso. (Céu na boca - Espetáculo Quasar 2009).
Hoje resolvi acatar a sugestão de um amigo e mudar o nome deste blog para "Sementes de poesia". Como já explicado em post anterior, Sementes de poesia é um projeto que pretendo ampliar e divulgar o máximo que puder. Portando, a partir de hoje, palavras em movimentos terá o novo nome. Deixo aqui, para os leitores do blog, o antigo título como post deste domingo.
Palavras em movimentos
Uma palavra traz muitos movimentos em si, mesmo quando estática. Ela é capaz de transferir idéias, sentimentos e também silêncios. Este espaço pretende reunir poesias, reflexões e pensamentos, utilizando-se da palavras para movimentar suas idéias, emoções e conceitos.
Termino aqui a série de Poesias do mundo. Para fechar com chave de ouro, não poderia escolher outro país senão o Brasil. Terra de povo feliz, mesmo diante de uma frívola sociedade de antagonismos sociais. Amo essa nação!
Ofereço a postagem de hoje ao meu amigo, "o Secreto" - rsss!, que ontem me fez viver uma emoção ímpar com o presente de um bonsai.
Na cultura japonesa, há duas coisas que chamam minha atenção de modo peculiar. São elas a comida, que adoro, e a ornamentação natural, o bonsai principalmente. Um dia desses, em um programa de culinária da GNT, aprendi que a disposição do alimento no prato japonês obedece a uma simbologia que represeta o mar e suas ondas. É como se fosse um agradecimento à origem daquilo que se come. Fantástico esse conceito! Já o Bonsai (a palavra diz: planta cultivada na bandeja), embora de origem chinesa, foi propagado ao mundo através do japoneses. Eles aperfeiçoaram a técnica, que requer cuidados específicos. Ter um bonsai em casa, segundo os orientais, representa ter a natureza por perto. Adquira um bonsai e cuide dele! Experimente também as delícias culinárias dessa cultura conceitual.
O BONSAI
Um bonsai com folhas de ramos
do tamanho de prolongados suspiros
e um tronco quase invisível
deixa uma sombra verde de silêncio
nos olhos da minha amada,
ao pousá-lo, solenemente, sobre a mesa.
Era um gesto de amor, disse ela. Uma surpresa.
Pensei logo em escrever-lhe um haicai
com a nitidez da água de um rio puro
ou em correr para abraçá-la
vestindo-a de beijos azuis.
Era noite, com os seus mistérios. Peguei-lhe
devagarinho nas mãos, escutei a chuva,
lembrei-me ser Janeiro, a nascer no mundo,
e das árvores gigantes no jardim, sob um céu
negro, como uma velha latada de uva.
Então, olhei, demoradamente, dentro de mim
e não lhe consegui, titubeante, dizer nada.
Ela juntou-se-me ao corpo desvanecido
e, com os lábios tremendo, agradeceu.
Tenho um grande sonho: comprar uma bicicleta para passear em Paris. Acho a Cidade Luz fascinante. Conheço-a apenas por fotos de amigos, matérias de revistas ou documentários. Ah, por filmes também. Mas ainda a conhecerei pessoalmente. O contexto histórico que a entitula de "Cidade Luz" é muito interessante. O poema abaixo fala um pouco dos ares parisiences. Espero que gostem! Boa terça-feira!
Paris – Parte II
Paris... Pudera haver milhares delas,
Mas, nenhuma vida inteira pode revelar todos os seus becos, amores, e odores.
Os dias ensolarados e camuflados acompanham as chuvas românticas,
Que somente embelezam o charme e afugentam qualquer insignificância.
Os monumentos eternizados simbolizam a luxúria e o orgulho eterno.
A complexidade é simplificada e traduzida em revoluções.
Dos que lutam pelo seus ideais,
Espelha-se em trajetórias pelos cantos imortalizados [tudo é real!]
Como é ir ao ponto de origem dos ícones franceses sem pensar no fim deles?
Tudo é esbelto, grandioso, harmonioso aos olhos que buscam o que é autêntico enxergar.
Em tudo existe o que nos constrói e nos suporta,
Criando a insaciável vontade de voltar atrás mais um pouco e a desvendar.
Em cada canto, um som que não se escuta mas que se sente.
É demasiado o calor da ostentação espiritual que o ronda.
Enquanto o moralismo domina o indomável sensualismo,
A moda é mesclada com o elegante feminismo.
Inicio aqui uma série de poesias entituladas "Poesias do mundo". O primeiro lugar a ser escolhido foi a África que é incrivelmente atraente. Sua cultura, a história de luta de seu povo, o Egito. Quando era criança, sonhava em participar da equipe de médicos da cruz vermelha só para cuidar das pessoas africanas. Hoje, que já cresci, não sou médica e tão pouco conheço a nação negra. Contudo, permaneço seduzida por aquele país que é lindo, mesmo diante de muito sofrimento! Uma ótima semana a todos!
África
Sou Negro Sou Banto Sou Sudanês Sou gente Sou pessoa Minha Pátria: O mundo Minha terra: Áfricas. Tenho identidade Tenho nome Nasci do ventre Nasci gente Sou Negro Negro Africanidades. Negro por natureza. Sou Negro Tenho cultura. Tenho história Sou negro Sou pessoa como você. Sou negro Voce!!!! Negro eu sou. Você eu não sei. Honro a minha cor A minha raça. Negro de verdade de lutas. de histórias Não sou negro de escravidão Sou Negro de raça de vida Negro de história. Negro que colonizou o mundo. NEGRO COM MUITA HONRA. Negro das Minhas Áfricas.
Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra de luxo.
Há muito tempo, sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelhecí: olha em relevo
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que a sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.
O vinho me liberta, me possui, me domina Libera o êxtase de outrora, o desejo do porvir Sinto que quero, mas não posso, minha sina Venha, companhia noturna, aproxima-se o finir O licor magnífico, escuro, mais que vermelho crina Transpassa ferindo de prazer ao ingerir O gozo gélido escaldante cheiro à marina Cabeça ao leu, a boca confessando ao sorrir O álcool fantástico possuidor de loucuras As minhas, sobretudo, as que me pertencem O ser estrangeiro que me habita as sombras puras Eis o ápice de mim próprio,almas que sentem Mais vinho! Não há, não há mais curas Um brinde à vida, o último gole, o Éden!
Na "mulher interessante", a beleza é secundária, irrelevante e, mesmo, indesejável. A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual. Era preciso que alguém fosse, de mulher em mulher, anunciando: - "Ser bonita não interessa. Seja interessante!"
Nada mais descritivo de uma pessoa que o seu lixo. Ele revela quase tudo. E quem o recebe todos os dias, recebe o relato diário de quem o deixou.
Catadores de lixo
Apesar da miséria da matéria
Que os consome com sede e fome
Persiste a dignidade pulsante
De lutar pela vida com honestidade
Na riqueza do lixo, impropriedade,
Transformar sua verdade,
Em alimento d'existência,
Em caminho e rumo,
Em arte e beleza...
Em sobrevida possível, única certeza...
Em desafio lúico pra se manter a decência,
Em guerrear constantemente
Que os leve avante...
D'um altar e precipício
D'onde vem o sustento, a esperança...
N'outras a morte ou o perigo...
Fazem pra si e por todos como cidadão
Que não esperam pelo governo hoje tão ausente
Que se promove na dor e abandono das gentes.
Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.
O texto abaixo foi escrito por uma mulher rica e que até certo momento de sua vida não conheceu o sofrimento da escassez ou do desamor. Porém, quando amadureceu, fez uma escolha que definiu como sendo a troca da "tolice pela generosidade". Antes de morrer e viúva, saía a tarde. Dizia para a família que se dirigia a um centro de terceira idade para divertir-se. No entanto, essas tardes eram ocupadas por um trabalho voluntário em um asilo para idosos, alguns mais jovens que ela, mas com menos saúde e mais tristeza.
"Eu me doo porque me perdoo. Quando era jovem e tola, eu queria tudo para mim, achava que o mundo era meu e que eu podia usufruir dele sem pedir nem agradecer. Agora, que sou muito mais velha e um pouco mais sábia, entendi que nada me pertence de verdade, nem a vida, que passa em um instante, nem meus filhos, que apenas vieram através de mim, e muito menos as coisas, que são apenas matéria, e continuarão sendo, mesmo quando eu deixar de ser. Depois de uma vida dedicada às tolices, decidi perdoar-me por ser tola e dar-me a chance de ser generosa, assim eu terei a única coisa que pode me pertencer: minha própria paz"